Ontem na viagem, do outro lado dos assentos, uma fila mais à frente, vinha um indivíduo que me chamou a atenção. De onde estava sentado, apenas conseguia ver um pouco do seu perfil. Vestia um fato azul escuro, muito bem engomado, bem vincado, as mangas bem redondas. Lia um livro novo, ou estava no seu início. Cuidadosamente, com uma lapiseira de minas, fazia apontamentos no livro, intercalados com precisos picares no ecrã do telemóvel. Mãos cuidadas, unhas limadas.Tudo nele era meticuloso, cuidado, pensado?
Deixei-me pensar, que deveria ter uma patologia side, um psicopata ou pior que isso… Lembrou-me algo que li há uns anos, numa entrevista ao James G. Ballard, onde ele dizia algo como: as pessoas mais perigosas são as certinhas, as limpinhas e engomadinhas que parecem nada fazerem…

Depois de aterrar e depois do indivíduo e muitos outros se levantaram e começaram a tirar as malas, eis que é, quando vejo, o rosto e o colarinho branco clerical de padre.
Confesso, que fiquei um pouco… assim, não sei bem como escrever… sentado.

Não me vou esquecer, de uma coisa que me disse a Sara Graça, no entretanto de uma das tantas conversas. Recordo que estávamos num período de “entre trabalhos”… e a Sara tinha acabado de receber uma proposta para um projecto. Eu disse-lhe: Fogo! Tens uma sorte! Mal ficas sem trabalho… Ao que ela me respondeu: Meu querido, a sorte… faz-se por ela, trabalha-se. E ficou tudo dito, e entendido.
E é facto, que a sorte não vem bater à porta e tirar-te do sofá… 

O low profile dos algunsmuitos portugueses, aqueles que dizem que não viram, não sabem, não ouviram, não têm conhecimento… os que são uns espertinhos e santinhos!, mas depois é o que se vê… Aqueles que pouco ou nada gritam para o universo e ao mundo, o que são e querem ser… contudo e rapidamente, na primeira oportunidade, apontam logo, quem abre as goelas… Oh paíszinho à beira mar plantadinho…
Não sei como o Vaticano não é em Portugal.

… ainda nem passou uma hora, e numa conversa entre um portugês – eu – e um espanhol, este último disse: – Os portugueses pensam pequenino, conformam-se muito…
Claro que concordei com ele!,  – não me sinto muito tuga – até odeio essa palavra.

Mas não estou a escrever por causa disso, mas pelas saudades que tenho da Grécia – ou da ilha de Creta – quando vejo os telejornais. Lá, eu não ouvia ou via televisão – estas coisas dos projectos comunitários são uma espécie de site specific continuos, em que estás lá sempre … E também não quero falar do estado doentio em que estamos todos no mundo – e o mundo a aturar-nos 🙂

O meu pai – muito me recordei dela por terra gregas – sempre disse que um empregado de mesa que não soubesse trabalhar com uma bandejas, com ele não trabalhava…

E uma das mais fortes imagens que guardo de Creta,  é a Cristina, que nos servia os pequenos almoços pela manhã, a trazer e levar, num tabuleiro de madeira, com abas, de 1 m por uns 70 cm, carregado de pratos e talheres e guardanapos e o que fosse… com o braço dobrado, a mão em palma encarpada, dedos abertos, uns 3 kilos em equilíbrio e lá ia ela – e outras elas… era mágico!
Fiquei mesmo com pena de não lhe ter feito uma foto, ainda por cima era bonita, com o cabelo rapado e um crista disfarçada e pintada de rosa pink – suave!

Em Creta sabem receber! Assim que te sentes em qualquer esplanada ou café ou… vêm logo com um copo de água com gelo, e alegremente, perguntam-te o que desejas – qual serviço de restauração português – e nem falo no da Covilhã – GOD!

Enfim. Sou um sortudo! Pró ano volto lá, para desenvolvermos um trabalho com uma comunidade de locals  🙂  E farei então uma foto, que não está das cadeiras do spot onde trabalhava a Cristina.

Amanhã, dia 27 de setembro, pelas 15h, será a primeira apresentação de
Desafios [im] Possíveis. Uma acção de informação e sensibilização para as alterações climáticas, a importância das borras de café e da água da torneira.

Integrado no Contradança, que já vai na 14ª edição – no auditório do Agrupamento de Escolas de Fornos de Algodres – onde sempre gosto de voltar.

Uma acção intencionalmente criada para o público escolar, mas que acredito que as famílias não se vão envergonhar de ver…   

Uma investigação constante, um curso de 25 horas online, sobre Alterações Climáticas da Universidade de Cádiz, o projeto do homem que queria ser água, que vai fazer 12 anos – aliás!, este cientista tem o nome de ÁguaFontes – serviram de referências, dados e inspiração para o processo e a criação, pois estas coisas não se fazem só a ver vídeos do Instagram.

O projecto vai além da apresentação e transforma-a para o digital, em pequenos capítulos vídeo, num quiz e documentação, tudo num site: https://desafiosipossiveis.wixsite.com/teatro

Acreditando ou não nas alterações climáticas, esta acção de sensibilização, vai mais além, chamando à responsabilidade da preservação do planeta que nos possibilita viver… no nosso papel como seus inquilinos… e no entendimento colectivo.

Mais além de toda a parte pedagógica do projecto, o mesmo também chama a atenção para explorar novas oportunidades de negócio – e os próximos anos vão ser férteis no surgimento de novas profissões e serviços. Tipo: ganhar dinheiro a partir de borras de café ao mesmo tempo que se ajuda o planeta de uma forma circular e sustentável, hum!

Desafios [im] Possíveis é uma conferência teatral da ASTA – Teatro e encontra-se disponível para ir até escolas, bibliotecas, teatros, e outros espaços, onde haja um ponto de corrente eléctrica 🙂 


Canções do Segundo Andar, 2000 | Roy Andersson

Vamos todos morrer um dia…esperando que os arrependimentos, não nos matem antes. Eu cá, prefiro arrepender-me do que fiz e não arrepender-me do que poderia ter feito – nem sempre é tão linear, mas pronto.

Tenho de confessar que estas cenas do papa e das JMJ – só falta mesmo um campeonato de futebol – só me trazem à cabeça uma cena cinematográfica e de ficção do filme O Perfume, do livro do Sunskin e que o Marco fez uma adaptação para teatro – já lá vão uns anos…
Mas tanta gente junta, só me faz lembrar aquela praça em que o Grenouille ia ser enforcado e ele próprio liberta todo o perfume que embriaga everybody e o resto já sabemos… – se não sabem, aconselho a verem o filme e lerem o livro ou/e viceversa.
Mas pronto, como no filme, “esta alegria” e… porque não dizê-lo: esta euforia toda, parece-me too much, induzida, como se altos valores a chamassem a existir – basta ver o ar embevecido do Marcelo, pior que uma beata…
Lá diz o povo:
– Quando a esmola é muita…
O Santo desconfia.

…e o pobre homem anda a pedir desculpa envergonhado ou envergando uma daqueles personagens, que nós todos tivemos ou teremos de fazer, para nos desculpamos por outra pessoa ou por um animal ou um robot…mas pronto.
Lá vem a desculpa e lá vêm toda a retórica católica associada, das razões, arqueadas umas sobre outras, impiedosas, mortíferas, cuja principal razão é provar que Deus tem sempre razão, porque está acima dela, o que é uma razão suficiente para, justamente, não ter de apresentar razões! You know what i mean 🙂

A Igreja está mal… mas Portugal não está melhor!

E sim!,
fiz a Primeira Comunhão, a Profissão de Fé e o Crisma – com uma autorização do Bispo de Évora, porque eu só tinha 14 anos, menos 2 do que o recomendado…
E não!,
nunca fui molestado nas igrejas.

O que me recordo é que me questionavam, padres e freiras (da Rua da Carreira), se eu não sentia um chamamento de Deus?!?
WTF?! Eu, um jovem alentejano a ouvir um chamamento de Deus?!!!?  
Ainda nem o ET existia!!!!…
Isso ou o passarinho a cantar às 4 da madrugada.

Vamos todos ser vizinhos de alguém um dia destes…

Adoro a palavra vizinho/a! Não é de agora… já há muito tempo que é das minhas palavras preferidas. Posso confessar que passei grande parte da minha adolescência e ainda hoje em dia a chamar vizinha à Manuela, que era a minha vizinha e saltava pela janela do terraço para a minha casa, bem como o filho dela, o Rui e eu fazia, quando necessário o caminho inverso – vizinhos, pois então 🙂

Vizinho e vizinha abrem portas, mundos, acompanham, protegem e facilitam a vida.

  • Oh vizinho! – vou ver quem é: a vizinha da frente, uma santa!
  • O carteiro deixou esta encomenda comigo, para não ter de ir ao correio. Espero que o vizinho não se importe.?… 
  • Ahhh! Claro que não vizinha – não tenho a certeza, mas acho que a senhora se chama Lourdes – só lhe agradeço a amabilidade.
  • Oh vizinha! – Em voz alta e para o terraço ao lado…
  • Bom dia vizinho! 
  • Bom dia, vizinha! Olhe lá! Acho que estou com o meu terraço entupido…
  • O quê?! Ahhh – acabando por sorrir.
  • A água que corre é muito pouca, ontem até me fez aqui piscina…
  • Deve ser uma folha ou alguma coisa, oh vizinho!
  • De certeza que sim, oh vizinha!
  • Oh vizinho!?
  • Diga vizinha…
  • Você de tarde está em casa?
  • Não vizinha, dou aulas…
  • E você importa-se que eu e o meu marido lá vamos com a mangueira desentupir o terraço?
  • Oh vizinha, claro que não. Aliás, já lhe disse que tem carta branca para cá vir quando quiser…
  • Então, oh vizinho… deixe estar que logo, eu e o meu marido, vamos lá…

Não seria necessário escrever que, quando cheguei a casa, o terraço estava desentupido, mas pronto…

Esta palavra é uma espécie de cartão invisível que dá acesso à sinceridade e há honra das pessoas – uma coisa em completo desuso nos dias que correm, infelizmente…

Eu sei que vivo num sítio entre o passado, a serra e a vida pacata… também sei que desde janeiro deste ano, a população desta Rua José Caetano Júnior na Covilhã, aumentou em números e línguas faladas….

E temos de nos habituar ainda mais a esta palavra e a novos vizinhos… ou seremos nós os novos vizinhos. Como assim?
Com a velocidade a que os acontecimentos climáticos estão a acontecer… e com a localização de Portugal… não falta muito para irmos na procura de melhores cenários… acabando por nos tornarmos um pouco como os que agora vemos e ignoramos nas notícias, perdidos no meio dos mares…  

Esta vida vai ser fodida, oh vizinho 🙂

Gosto de deixar a televisão ligada e ouvir as vozes, das personagens das séries, das pessoas das notícias… apesar da televisão estar precisamente nas minhas costas e não ver quem são as pessoas que falam…. mas gosto.
Faz-me sentir como se estivesse numa espécie de café ou centro comercial, onde uma série está a ser rodada, um directo de um telejornal a acontecer… por vezes quase que sinto o vento da passagem das personagens ou como se alguém directamente me contasse algo literalmente nas minhas costas. 

Como não vejo os corpos – não há linguagem sem corpo – e por isso não consigo criar uma imagem de quem fala ou da personalidade dessa pessoa, a não ser que sejam animais, heheheh

Por vezes até parece que falam para mim, mesmo que seja noutra língua que não o português. Noutras ainda, pela estranheza dos sons, até viro ligeiramente o pescoço, numa tentativa de que a cabeça e os olhos vejam de onde vêm o som. Movimento sempre imperfeito, porque não sou nenhum tipo de contorcionista. 

E quando já estou concentrado ou no teclado ou no pensamento ou no que vai surgindo no ecrã, quase sempre, a televisão desliga-se por si só… e fica um vazio imenso, diria mesmo que um abismo se manifestou entre a televisão e as minhas costas. E sem dúvida alguma que sinto o meu corpo a ser, como que puxado, por esse silêncio instalado… E acabo sempre por lançar algum som aqui do computador.

Acho que o Roland Barthes tem um texto sobre estas coisas. Grão de Voz, salvo erro, em que ele diz algo como: a palavra evidentemente muda de destinatário e por isso mesmo de sujeito pois não há sujeito sem o outro.
É daquelas cenas da semiótica que dão cabo da tola 🙂