Já nasci velho…
Não tinham tempo para mim.
Cheguei ao natal no Alentejo. Por sorte não sinto tanto o frio ou o frio ainda não me veio saudar com o seu riso duro e acutilante. As paredes espessas e grossas já conspiram entre elas que eu cheguei e preparam-se para me darem as boas vindas com os meus fantasmas de outros tempos a prepararem-se para saudar os fantasmas de agora e passearem juntos pelos meus pensamentos.
Elvas é natal, sempre foi e será, até um dia.
Os jovens pais, anseiam e gostariam que os seus bebés viessem com um livro de instruções. A novidade da vida que surge é um mistério e uma preocupação constante pelo seu bem estar.
Eu creio que os bebés deveriam vir, não com apenas um, mas com dois livros: o tal livro de instruções para os pais e um outro para os próprios bebés, onde se ensina, encaminha ou aconselha para o que é a vida…
Continuo, ainda hoje ao fim de tanto tempo, à procura do livro de instruções da minha vida. Cada vez mais me dava jeito, porque isto não pára… E se os pais tem receio pela nova vida, eu agora receio pela ausência da vida ou pela anunciada morte deles, numa inversão desmedida de papeis, num novo paradigma de existência.
Hoje sim, mais frio. E nesta sala imensa, o aquecedor não faz grande efeito, só mesmo uma manta nas pernas… Na casa das pessoas mais velhas, há sempre tique taques de relógios espalhados pelas habitações, por vezes ecoam … e há um silêncio entretanto… que vai crescendo como se anunciasse a despedida. Compreendo melhor agora, alguns escritores e autores que falam da morte… Creio que nunca concebemos as coisas até sermos confrontados com elas.
Depois entro no quarto de banho para lavar os dentes… depois tiro as lentes de contacto e fico eu mesmo, em pijama… quarenta e quase dois anos deste corpo e sem um livro de instruções.
E é natal e ninguém leva a mal.